Nunca tive aquela a que chamar A Minha Terra, devido ao trabalho do meu pai cresci em muitos lugares e mudei muitas vezes de casa.
No entanto, há um sítio que faz o meu coração acelerar...a pequena e esquecida Aldeia de Montesinho. Não cresci lá...mas vivi os Verões da minha vida naquela calçada, ruas envelhecidas, fonte, riachos e caminhos de terra batida de quem sobe a serra. Dessa aldeia tenho as pernas marcadas de corridas com os primos que acabaram no chão de paralelos, uma caixa cheia de fotografias bronzeadas de forma exagerada, tenho os ouvidos repletos de melodias de baile e os pés, que dançavam arrastados pelos braços do pai e tios-avós pelas músicas populares, ainda com o gostinho especial pelos arraiais.
Montesinho...hmmm. Todos os anos o mesmo ritual, quatro da manhã saíamos de casa, " para fazer a viagem durante a noite, senão durante o dia não se aguenta o calor". Inicialmente eu no banco de trás e a mãe no da frente, mais para os últimos anos o contrário por causa " do menino". Primeira paragem - estação de serviço BP - comprar rebuçados de café e seguiamos viagem, parando só para a Tita fazer xixi e para o Pepe trocar a fraldita e comer. Durante toda a viagem ria-mos muito, o pai rimava usando coisas do nosso quotidiano, no ano que a mãe estava grávida do Pepe as rimas foram todas sobre ele :( (lol) e cantavamos...muuuuiiitooo.
Desde que me lembro a viagem demorava cerca de 4 horas, com o passar dos anos foi encurtando o tempo.
As primeiras lembranças desta aldeia são de quando apenas dezasseis pessoas faziam lá a sua vida, sendo que dessas apenas três eram crianças. A escola ainda funcionava, havia uma professora para os dois meninos e para a menina contudo, quando cresceram (apenas duas das crianças cresceram) passaram à idade de ir para o liceu e a escola fechou. Só havia liceu em Bragança. Montesinho tem um café, os proprietários são de Bragança e só o abrem quando lhes apetece. Em toda a Aldeia só há um telefone, é da minha tia-avó Maria, que aluga quartos. O pão era feito, por uma outra dona Maria, fazia-o contadinho, um para cada familia, sendo que é daquele pão que dura uma semana. O peixeiro ia lá uma vez por semana, na sua carrinha. O merceeiro e o talho também. A água, essa chega a casa de cada um numas vasilhas azuis que se enchiam na fonte, a russada como o meu pai lhe chamava e eu, vá-se lá ver, também.
Conheço todas as casas da aldeia, mas apenas algumas por dentro. A minha bisavó tinha a casa, em tempos, considerada a mais bonita da aldeia. E como é linda. Lembro-me de ainda dormir nela...o cheiro a madeira, a cama com colchões de palha muito bem apertada, as divisões tão antigas. A cozinha tinha um fogão de pedra que funcionava a lenha, os armário de madeira pintados a verde e um banco que abria e lá dentro tinha lenha. O ferro para engomar a roupa, era todo em ferro, a avó rita (avó do meu pai) embrulhava na asa um farrapo e passava a roupa, até ao dia em que saiu da nossa beira. No quarto onde nós ficavamos, havia um alçapão, directamente para um curral onde antigamente se criava o gado. Por aí, durante o inverno, a avó alimentava os animais para não ter de ir para a neve. A Sala...tudo tão arrumado, um luxo...mas só a sala, como se estivesse à espera de visitas. Na sala de jantar só a mesa e um armário qeu ostentava bonitos copos e um faqueiro. O alpendre...o que sempre me apaixonou naquela casa, as rosas enrodilhadas na vedação. Como era bonita!
Das casas que o meu avô foi herdando, decidiu recuperar aquela em que ele tinha nascido. Fez para a família uma casa de férias, onde lá dentro nos esqueciamos que estavamos num local onde só se ouviam pássaros e fontes a correr. Mas só por dentro. Por fora, teve de ser construída com todo o rigor da paisagem que a rodeava, as pedras teriam de ser do monte e as soleiras das janelas e os telhados em madeira e lousa. Ficou um mimo.
Com essa casa, ainda que de maneira diferente, continuamos a passar lá as nossas férias, quinze dias de puro sossego, sem telemóveis (não havia rede), sem carros o que permitia que nós as crianças pudessemos voltar a casa apenas para comer e dormir e andar à vontade o resto do dia, às 7horas da manhã ouviam-se as cabras a ir para o monte com o tio João, durante o dia apenas a fonte e as crianças que vinham ali passar férias a rir e a correr e as 19h as cabras a descer do monte com o tio João.
Os returnados à terrinha durante aqueles quinze dias, iam para a casa do povo (que abria durante a festa da aldeia) e jogavam cartas a tarde toda, ou marcavam-se longos passeios pela serra. Uma grande família de pessoas que estão cada um em seu canto, a seguir a sua vida, voltando naqueles quinze dias, para matar saudades.
Um paraíso. Contado, ninguém acredita.
Agora já lá não vou à cerca de três anos. Há coisas que mudam, infelizmente.
A tia Maria, que tem telefone, ligou-me. Fiquei muito contente. Nunca pensei que ela desse as voltas que deu para descobrir o meu número novo, tendo em conta determinadas circunstâncias. Fiquei muito contente, ainda sou sobrinha neta dela diz a tia. Chorei.
Vivi tanto, foi essa aldeia que me deu o amor que sinto hoje por aldeias e locais que apenas pelo que nos mostram contam uma história incrível.
Este ano vou à minha linda aldeia. Este ano, vou ver a tia Maria e os primos todos de novo. Que se lixem as ‘determinadas circunstâncias’.